Em uma sociedade que valoriza o “estar bem o tempo todo”, a busca pelo prazer se tornou não apenas uma meta, mas uma obsessão. O prazer, por natureza, é uma resposta saudável do corpo e da mente a estímulos positivos. Comer algo saboroso, viver um momento íntimo, ouvir uma música que emociona — tudo isso faz parte do que nos torna humanos. O problema começa quando essa busca se torna compulsiva, isto é, quando não conseguimos mais parar, mesmo que isso nos cause prejuízos.
O tempo parece escorrer pelos dedos, sentimos os 365 dias do ano passarem na mesma velocidade de um cometa. Esse desequilíbrio da subjetividade do tempo cronológico e do tempo interno contribui à busca descontrolada pelo prazer, bem como ao surgimento de doenças psíquicas que estão diretamente vinculadas.
Vivemos uma cultura de excessos, impactando profundamente as relações afetivas. A sociedade de hoje nos impõe um estado de bem estar contínuo, nos obrigando a reprimir nossas dores e, automaticamente, aumentando os casos de depressão.
Existe hoje uma pressão para que o sujeito viva de forma produtiva, ágil, feliz, realizado, dificultando que esse mesmo sujeito sinta os efeitos da espera, das perdas, do luto que inevitavelmente acontecem na vida de todo ser humano.
Nossa cultura hoje está focada nos excessos e não mais nos dilemas internos. Isso acarretou no aumento dos casos de transtornos alimentares, compulsões, taxicomania e até na violência de forma geral. Todos esses conflitos internos dificultam a liberdade do sujeito que fica vulnerável às angústias e depressões. As compulsões, de certa forma, exigidas nos tempos atuais como o excesso de atividade física em busca de um corpo perfeito, o excesso de trabalho pela alta competitividade nas empresas, dentre outras, mascaram uma patologia velada.
O Século XXI também é marcado pela busca acelerada por informação e satisfação imediata, afetando diretamente a forma como as pessoas conseguem lidar com suas fraquezas, limitações, desejos e frustrações. Em vista disso, cresce o número de pessoas buscando por substâncias psicoativas, bem como cresce a dependência digital, o vício em tecnologia, em redes sociais, acarretando no aumento do isolamento social.
O VAZIO QUE NUNCA SE PREENCHE
Vivemos na era do “mais”: mais likes, mais comida, mais informação, mais prazer, mais consumo, mais estímulo. A promessa é sedutora, ou seja, se tivermos mais, sentiremos mais para nos sentirmos completos. Mas o que se vê é uma geração exausta, ansiosa e desconectada de si mesma.
A compulsão pelos excessos tornou-se um sintoma social. E quanto mais tentamos preencher o vazio com quantidade, mais profundo ele se torna.
A compulsão surge como consequência à angústia, ao tédio, à frustração. Mas, ao invés de olhar para dentro, preferimos desviar o olhar com distrações constantes, como por exemplo, comida em excesso para blindar a ansiedade, compras em excesso para anestesiar um vazio, redes sociais em excesso para camuflar a solidão, séries, sexo, dopamina, prazer, estímulo… tudo em excesso, como fuga ao silêncio, pausa ou reflexão. Quanto mais consumimos, mais desejamos e menos nos satisfazemos.
As consequências dos excessos são o cansaço crônico, ansiedade e depressão, baixa autoestima, problemas físicos e emocionais, incapacidade de sentir prazer com o simples
A compulsão pelo prazer é o impulso descontrolado de repetir atividades que trazem satisfação imediata, mesmo que temporária, como comer em excesso, assistir compulsivamente a séries, rolar infinitamente nas redes sociais, praticar sexo sem envolvimento emocional, consumir drogas, álcool, ou gastar dinheiro impulsivamente.
O prazer, nesses casos, deixa de ser uma escolha consciente e se transforma em uma fuga emocional. A pessoa não busca o prazer por bem-estar, mas para escapar de dores internas como vazio, ansiedade, frustração ou tristeza.
A COMPULSÃO PARA A PSICANÁLISE
No início, a psicanálise de Freud operava numa época de muita repressão, onde a restrição era o que prevalecia. O sofrimento refletia no corpo físico, como ocorria com as histerias estudadas e analisadas por Freud. Com o passar do tempo, a psicanálise evoluiu e surgiu a modalidade do discurso e da livre associação.
A compulsão, na ótica de Jacques Lacan, psicanalista francês que reformulou profundamente o pensamento freudiano, não é apenas um comportamento repetitivo e irracional. Para Lacan, ela está enraizada na estrutura do desejo humano, da falta e da linguagem. Segundo ele, o sujeito humano é essencialmente um ser dividido, constituído pela entrada na linguagem. Ao entrar no mundo simbólico (linguagem, leis, cultura), o sujeito perde algo — uma totalidade imaginária, um suposto estado de completude. Esse “algo perdido” é o que Lacan chama de objeto a (objeto causa do desejo). A partir daí, o sujeito se move sempre em torno de uma falta que nunca será preenchida.
A Compulsão, nesse contexto, é uma tentativa desesperada de tapar essa falta com ações repetitivas, que simulam uma completude impossível.
Lacan distingue o prazer (limitado, regulado pelo princípio do prazer freudiano) do gozo, que é um tipo de satisfação que ultrapassa os limites do prazer e pode até causar sofrimento.

A COMPULSÃO PELA NEUROCIÊNCIA
De acordo com a Neurociência, a explicação está em parte na neuroquímica do cérebro, ou seja, ao sentir prazer, liberamos dopamina, o “neurotransmissor da recompensa”. O problema é que, quanto mais buscamos essa liberação artificial, mais o cérebro precisa de estímulos para sentir o mesmo efeito. Isso nos torna insaciáveis.
É um comportamento repetitivo e aparentemente incontrolável, geralmente executado para aliviar ansiedade, tensão ou desconforto. Embora muitas vezes associada a transtornos como TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) ou dependências, ela também pode se manifestar no dia a dia: roer unhas, comer em excesso, verificar o celular compulsivamente, etc.
A neurociência nos mostra que a compulsão não é só um problema de força de vontade — é, muitas vezes, resultado de padrões neurais automáticos, formados e reforçados por mecanismos bioquímicos e circuitos cerebrais específicos.
Consequências da compulsão pelo prazer:
-Perda de controle emocional e comportamental;
-Sensação constante de vazio após a satisfação;
-Dificuldade em lidar com frustrações;
-Problemas financeiros, de saúde e relacionamentos;
-Ansiedade e depressão mascaradas.
Como romper esse ciclo?
-Reconheça a raiz emocional: “Do que estou tentando fugir?” A busca compulsiva por prazer costuma esconder uma dor não tratada.
-Pratique o autocontrole gradual: Não se trata de cortar tudo, mas de recuperar o equilíbrio. Use técnicas como meditação, respiração e rotina estruturada.
-Encontre prazer no que é profundo, não apenas no que é rápido
-Ler um bom livro, conversar com alguém que você ama, caminhar ao ar livre… esses prazeres não são explosivos, mas duradouros.
-Aprenda a lidar com o tédio e a dor emocional: Não existe vida sem desconforto. Aceitá-lo com maturidade é um dos maiores sinais de liberdade interior.
-Procure apoio de um profissional: Muitas compulsões estão ligadas a traumas, vícios ou transtornos que exigem tratamento profissional.
Por Viviane Chaves
REFERÊNCIAS
1-Sigmund Freud – O Mal-Estar na Civilização – Editora: Imago / L&PM / Autêntica
2-Augusto Cury – Ansiedade: Como Enfrentar o Mal do Século – Editora: Saraiva
3-Susan David – Agilidade Emocional – Editora: BestSeller