Quando se trata da etiologia da violência, analisar e pensar na condição efêmera do ser humano e na sua constituição física, certamente nos leva além do entendimento de um sujeito isolado, de apenas um cérebro criminoso na sua essência. Ao pesquisar situações de violência em sua forma subjetiva, é fundamental levar em consideração as influências sociais, pois são elas que, além das bases biológicas, criam o psiquismo e condicionam as próprias conexões neurais. O corpo violento se constitui em inúmeros processos de autossustentação, através de um jeito de ser, que depende invariavelmente da interação e de um modo de viver.
Essa perspectiva está presente nas pesquisas e teorias de Freud (FREUD, 1915), ou seja, o sujeito está imerso em relações humanas oriundas de linguagem afetiva multifacetada. Seu inconsciente reproduz as expectativas e conflitos experimentados na relação com os pais, irmãos e todas as outras figuras com quem se identificam ao longo de seu desenvolvimento. Também se constitui como resultado de seu meio cultural mais amplo, em que as influências diretas e indiretas são extremamente importantes. A constituição de um sujeito violento também depende da qualidade de seu meio e convívio social.
A tendência à agressão ou violência analisada, por meio de técnicas de imagem cerebral, costuma ser associada a falhas “localizáveis” na anatomia e/ou no “funcionamento” de determinadas regiões do cérebro. Mas a violência emocional depende do tipo de interação do sujeito com o contexto social que o circunda no momento de uma infração, delito ou crime, levando em conta seu sofrimento subjetivo, bem como sua história de vida. Assim, além do fluxo dos neurotransmissores no cérebro, os efeitos da palavra no corpo precisam ser profundamente conhecidos por quem pretende lidar com a agressividade humana tornada violenta e desproporcional.
MULHERES DE PODER E O AMOR BANDIDO: UMA LEITURA NEUROCRIMINOLÓGICA
O imaginário social sobre mulheres que se envolvem com criminosos é carregado de estigmas e contradições. De um lado, há a narrativa popular do “amor bandido”, que mistura romantização, tragédia e transgressão. De outro, existe a leitura jurídica e criminológica, que costuma reduzir essas mulheres à conivência, à vulnerabilidade ou à cumplicidade. No entanto, quando se observa o fenômeno sob a lente da neurocriminologia, percebe-se que as escolhas e vínculos estabelecidos por essas mulheres não se explicam apenas por fatores sociais ou culturais, mas também por mecanismos cerebrais relacionados ao risco, ao poder e à emoção.
O FASCÍNIO PELO RISCO
Recentemente, um episódio emblemático ocorreu na Penitenciária Regional de Blumenau, onde uma advogada foi flagrada em ato íntimo com um detento condenado por tráfico de drogas. A situação foi registrada por policiais penais durante uma ronda no parlatório, espaço destinado a atendimentos entre advogados e clientes. O episódio gerou repercussão nacional, levantando questões sobre ética profissional e as complexas dinâmicas de poder e afeto no sistema prisional.
Esse caso ilustra a manifestação da HIBRISTOFILIA, onde o envolvimento afetivo com um criminoso é marcado por risco e transgressão, ou seja, do ponto de vista neuropsicológico o fenômeno da HIBRISTOFILIA explica parte do vínculo afetivo entre mulheres e criminosos. Essa atração por indivíduos que cometem crimes graves ativa circuitos de recompensa e excitação no cérebro, reforçando laços afetivos mesmo em situações de risco extremo. Em mulheres de poder, esse mecanismo pode se combinar com estratégias de influência ou manutenção de status, criando relações complexas entre afeto, risco e poder.
Assim, o “amor bandido” pode ser entendido como uma relação marcada pela adrenalina e pelo reforço dopaminérgico. Para algumas mulheres, principalmente aquelas que já ocupam lugares de poder ou status, o risco deixa de ser apenas ameaça e se transforma em fonte de excitação e de fortalecimento da própria identidade.
Mulheres que se relacionam com criminosos nem sempre estão em posição de submissão. Muitas vezes, elas compartilham ou disputam espaços de poder. Isso pode ocorrer em contextos políticos (alianças com líderes corruptos ou facções criminosas), empresariais (relações com figuras envolvidas em esquemas ilícitos) ou até familiares.
Do ponto de vista cerebral, há uma tensão constante entre o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisão racional, cálculo de risco e julgamento moral e amígdala, estrutura ligada ao medo, à emoção e ao apego. Em situações de envolvimento emocional intenso, a amígdala pode inibir ou sobrepor-se às funções do pré-frontal, levando a escolhas que parecem irracionais à luz do Direito, mas que fazem sentido do ponto de vista afetivo e neuropsicológico.
A PSICANÁLISE nos ajuda a compreender o paradoxo dessas relações. Muitas mulheres encontram no criminoso não apenas o amante, mas também uma figura de força, proteção e até redenção. A fantasia inconsciente de transformar o “homem perigoso” em “homem confiável” cria um laço profundo e difícil de romper. Nesse sentido, o “amor bandido” não é apenas submissão, mas também um jogo de poder e desejo, ou seja, a mulher que se vê poderosa por conquistar o homem que todos temem, e que, ao mesmo tempo, se coloca em risco para manter esse vínculo.
HORMÔNIOS E VÍNCULOS AFETIVOS
Outro aspecto relevante é a ação da oxitocina, conhecida como hormônio da confiança e do apego. Esse neuropeptídeo reforça laços afetivos mesmo em contextos de violência ou criminalidade. É por isso que muitas mulheres permanecem em relacionamentos nocivos: o vínculo emocional, reforçado biologicamente, cria uma barreira contra a ruptura.
Assim, do ponto de vista neurocriminológico, o “amor bandido” pode ser compreendido como uma mistura de reforço dopaminérgico (prazer e risco), ativação da amígdala (emoção intensa e medo), diminuição da regulação pré-frontal (julgamento racional comprometido) e ação da oxitocina (manutenção do vínculo).
MULHERES DE PODER: CONIVÊNCIA OU ESTRATÉGIA?
Quando falamos de mulheres em posição de poder, a relação com criminosos adquire contornos ainda mais complexos. Nesses casos, não se trata apenas de emoção ou submissão, mas também de estratégia e interesse. Algumas alianças são racionais, buscando proteção, influência ou vantagens políticas e econômicas.
Nesse ponto, a criminologia crítica nos alerta para não reduzir essas mulheres a meras vítimas. Muitas vezes, elas são agentes ativas na engrenagem do crime, participando de redes de poder em que o afeto e a criminalidade se misturam de forma inseparável.
O CÉREBRO ENTRE O PODER E O CRIME
O “amor bandido” entre mulheres e criminosos não é apenas um fenômeno cultural ou psicológico, mas também neurobiológico. O cérebro humano, especialmente em condições de emoção intensa, pode valorizar mais o risco e a recompensa do que a lógica e a moral.
Quando isso se combina ao contexto de poder feminino, temos um campo fértil para estudos em neurocriminologia, que investiga como emoções, hormônios, vínculos sociais e estruturas de poder influenciam escolhas e comportamentos que desafiam tanto o senso comum quanto o sistema penal.
O ENCARCERAMENTO DO PARCEIRO CRIMINOSO E AS RELAÇÕES AFETIVAS
Pesquisas apontam que a pena privativa de liberdade tem impacto importante não apenas sobre o indivíduo preso, mas sobre todo seu âmbito familiar e afetivo, incluindo as relações e contextos nos quais o preso está inserido, mostrando o impacto coletivo do encarceramento.
Os resultados encontrados demonstraram que as mulheres usavam de diversas estratégias para permanecerem próximas de seus companheiros, engajando-se no tratamento penal deles. Verificou-se que as mulheres se sentiam ocupando um lugar de responsabilização pelos seus parceiros, refletindo concepções tradicionais e estereotipadas de gênero, que vinculam a mulher a papéis de responsabilidade e cuidado e o homem a um lugar de receptor de cuidados. Pesquisas e estudos com mulheres companheiras de homens presos em São Paulo evidenciou a concepção de que às mulheres cabe a responsabilidade pela manutenção da relação, mesmo essa sendo atravessada pela prisão.
Outro fator relevante observado foi o ciúme de seus companheiros em relação a elas, ou seja, o medo dos homens presos, associado ao risco de traição por parte de suas companheiras. Homens apenados demonstram uma grande ansiedade durante o período de encarceramento com relação à fidelidade de suas companheiras. Cabe destacar que o ciúme, embora associado a uma expressão de amor, pode estar vinculado a sentimentos de insegurança e posse sobre o outro.
As pesquisas demonstraram que as mulheres companheiras eram vigiadas, controladas e, por vezes, até ameaçadas fora da prisão, por meio do controle exercido por outras pessoas, em especial homens, amigos ou familiares do preso, com o objetivo de mantê-las na relação. Reflete-se, então, que essas mulheres são constantemente solicitadas e convocadas a se manterem nesse lugar de lealdade e fidelidade, independentemente das adversidades que precisem superar em prol da continuidade da relação. Tais circunstâncias colocam as mulheres em situação de confronto com seus próprios princípios morais, ao não concordarem com o envolvimento do homem com o crime, e, ao mesmo tempo, se manterem ao lado deles.
A intimidade e a sexualidade, no âmbito do encarceramento, são controladas e reguladas pelo sistema penal, que transpõe a intimidade do domínio privado e íntimo para o domínio público e penal. De acordo com a Lei de Execução Penal (LEP), todos os indivíduos privados de liberdade têm direito a receber visitas de seus familiares. A visita é um direito que encontra respaldo na necessidade e na importância da manutenção de vínculos sociais, conjugais e familiares das pessoas privadas de liberdade. Além disso, a visita íntima possui um caráter utilitário ao sistema prisional, na medida em que essas mulheres passam a ocupar os espaços da prisão com a justificativa de potencializar a ressocialização dos homens.
Importa ressaltar que as visitas, além de promoverem o incremento da união na relação do casal, implicam uma experiência permeada pela vigilância de forma bastante intrusiva, destinada a controlar a intimidade, a sexualidade e a privacidade associadas às relações íntimas. A instituição penal, enquanto agente de mediação, controle e vigilância, passa a ser um terceiro elemento inserido na relação íntima do casal.
O encarceramento do parceiro criminoso transforma profundamente a dinâmica afetiva e emocional da relação. Muitas mulheres mantêm vínculos intensos mesmo diante da distância física e do risco legal, um fenômeno que pode ser explicado pela hibristofilia, pela ativação do sistema de recompensa dopaminérgico e pelo efeito da oxitocina na manutenção do apego.
O amor bandido, portanto, não se limita à presença física do criminoso: a prisão reforça a idealização e o vínculo emocional, ao mesmo tempo em que coloca em evidência dilemas éticos, estratégicos e de poder.
Por Viviane Chaves – Advogada pesquisadora em Neurocriminologia da Violência, pós-graduanda em Neurociência e Comportamento pela PUC-RS e Criminologia pela PUC-RS.
Referências Bibliográficas
1.A Nerociência e a sexualidade: https://www.revneuropsiq.com.br/rbnp/article/viewFile/495/175
2.Silva, A. G. (2019). Neurocriminologia e sua aplicabilidade no âmbito penal: https://www.scielo.br/
3.A Complexidade da Hibristofilia e Sua Relação com o Crime: https://www.scielo.br/
4.Encarceramento Feminino: um Debate entre Criminologia Crítica e Feminista: https://www.scielo.br/