ENTRE EMPATIA, AUTORIDADE E PODER: UMA PERSPECTIVA NEUROCIENTÍFICA SOBRE O EXPERIMENTO DE APRISIONAMENTO DE STANFORD.

O Experimento de Aprisionamento de Stanford de 1971 foi um estudo psicológico realizado pela Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), sendo conhecido como um dos estudos psicológicos mais notórios e polêmicos de todos os tempos. O experimento objetivou investigar os efeitos psicológicos de 24 participantes, explorando a dinâmica de poder entre grupos de “guardas” e “prisioneiros”, dentro de um ambiente de prisão simulado no porão do departamento de psicologia da Universidade de Stanford.

Os participantes eram estudantes universitários do sexo masculino que foram designados aleatoriamente para cada função. O que começou como um estudo planejado de duas semanas foi interrompido abruptamente, depois de apenas seis dias, devido à escalada de abusos cometidos pelos “guardas” e ao extremo estresse emocional experimentado pelos “prisioneiros”.

O experimento tem sido objeto de intensos debates éticos e metodológicos ao longo do tempo, sendo questionado a respeito da validade e generalização dos resultados. Apesar das críticas, marcou o campo da psicologia social pelo impacto duradouro na compreensão da psicologia humana, especialmente no que se refere à influência dos papéis sociais e ambientais no comportamento e na identidade.

ANÁLISE CRÍTICA – O EXPERIMENTO DE APRISIONAMENTO EM STANFORD – 2015

Para o filósofo Jean Jacques Rousseau, a violência é um produto humano inserido na sociedade. Para ele, quando se impõe limites a coesão social dá certo, mas quando a exploração do homem é instaurada cria-se desigualdades provocando danos físicos, psicológicos, bem como a liberdade restringida.

Seguindo o pensamento de Rousseau, será mesmo que “o homem é o lobo do homem”?  Se o filósofo tinha razão quando levantou a idéia de que o homem é o maior inimigo do próprio homem, podemos afirmar que ele é capaz de grandes maldades, atrocidades e barbaridades contra sua própria espécie? Todo ser humano já nasce bom e ao longo do tempo a sociedade o corrompe ou ele nasce mau e a sociedade apenas reflete essa maldade?

Se formos comparar o experimento com o pensamento do referido filósofo, podemos aceitar que o resultado e a análise de tal experimento são inquestionáveis e que a sociedade de fato corrompe o homem que nasce bom. De acordo com as conclusões do experimento, nas condições certas, qualquer pessoa seria capaz de cometer atrocidades e crueldades.

Um ponto questionável e relevante dessa experiência foi o fato dos pesquisadores continuarem com o experimento, mesmo percebendo o estado emocional dos participantes que estavam ali de forma voluntária, bem como percebendo o comportamento sádico dos guardas. Os problemas que poderiam surgir não foram antecipados e previstos, a fim de proteger a saúde emocional das pessoas. Ao contrário disso, ao tomarem ciência do ocorrido procuraram maneiras de manter a pesquisa, em vez cessá-la imediatamente.

Outro ponto questionável foi o envolvimento do superintendente penitenciário, Zimbardo, interferindo diversas vezes nas decisões dos guardas e influenciando em seus comportamentos.

O estudo que durou apenas seis dias foi suficiente para que Zimbardo chegasse à conclusão de que o ambiente podia influenciar a conduta humana e que pessoas “boas” inseridas em lugares hostis podem se comportar como pessoas ruins, bem como se permitindo ser maltratadas.

Seria mesmo a hostilidade uma característica oriunda do próprio ambiente ou reflexo das personalidades dentro de cada indivíduo? Podemos afirmar que todas as pessoas normais não seriam capaz de resistir à tentação ao sadismo quando inseridas em um ambiente hostil?

A personalidade é inerente ao ser humano, ou seja, ela vai sendo formada ao longo do tempo. É a marca registrada de cada pessoa, constituída por várias influências e passa a ser a integração de um todo, dos aspectos que a constituem, estando em constante desenvolvimento. Sendo assim, a depender do caso, pessoas inseridas num mesmo ambiente reagiriam da mesma forma ou pessoas diferentes podem reagir de maneiras diferentes aos mesmos estímulos?

A meu ver, apesar das fragilidades demonstradas no experimento, o que considero mais relevante na pesquisa não é o fato de que pessoas inseridas em ambientes hostis se tornam más, mas sim de que a presença de uma autoridade abusiva incentivando tal hostilidade, sob a justificativa de que tais atitudes são para o bem comum, pode ser o ponto principal da transformação do comportamento de pessoas boas em pessoas más.

Mas, qual seria de fato o elo e a relação entre autoridade e violência? Seria essa relação sempre baseada na própria violência? Tal relação é um tema complexo que tem sido objeto de estudo não somente pela psicologia, mas também pela sociologia, direito, criminologia e neurociência. O ponto chave desse estudo é descobrir como o poder é exercido dentro de uma sociedade ou grupo, objeto compatível e alinhado com o Experimento da Prisão de Stanford.

Podemos entender que autoridade, de forma generalizada, seria o direito conferido a indivíduos ou instituições para liderar, governar, ou influenciar outros. Já a violência seria a aplicação de força física ou psicológica para compelir, dominar ou controlar. A violência pode ser utilizada como uma ferramenta por aqueles no poder, para manter ou expandir sua autoridade, como vemos em regimes autoritários ou ditatoriais. Por outro lado, a violência também pode ser empregada por indivíduos ou grupos que buscam resistir ou derrubar uma autoridade percebida como abusiva e opressiva. Nesse sentido, podemos dizer que a violência pode ser vista como uma expressão de poder e também de impotência?

O experimento ultrapassou a linha do que é real e imaginário até mesmo na mente do seu próprio criador, demonstrando que uma autoridade abusiva incentivando a desumanização e a opressão pode ser terreno fértil para a maldade humana e a violência.

O QUE DIZ A NEUROCIÊNCIA?

As pesquisas sobre o processamento da emoção no cérebro humano são de fundamental importância não somente para o entendimento da neurofisiologia das emoções, mas também para a compreensão de vários transtornos mentais.

A emoção pode ser entendida como uma predisposição para a ação, consequência da ativação de distintos circuitos cerebrais por estímulos importantes para o organismo (Lent, 2023).

Predisposições motivacionais automáticas são repetidamente evocadas, de forma involuntária e inconsciente, exercendo forte efeito nas decisões e comportamentos.

Todo ser mamífero é submetido a situações diversas que requerem ajustes no padrão de respostas comportamentais, neuroendócrinas e autonômicas, para consumação de estratégias de enfretamento. Essa resposta integrada aciona um conjunto de processos chamados de “motivação”(Lent, 2023).

A motivação é o processo consciente e inconsciente fundamental dos organismos, que coordena o início, a manutenção e a direção de uma atividade em resposta a uma demanda.

Os comportamentos motivados podem ser desencadeados por estímulos biologicamente relevantes, como sinais de ameaça, estresse ou situações de poder, ativando circuitos neurais moldados pela evolução e pela experiência individual. Esses mecanismos permitem que indivíduos antecipem situações de risco físico ou psicológico, regulando respostas agressivas, defensivas ou estratégicas de forma eficiente.

No contexto do experimento, tanto os guardas quanto os prisioneiros apresentaram comportamentos motivados não apenas por impulsos imediatos, mas também pela avaliação de recompensas sociais, hierarquia e consequências das ações, mostrando que decisões agressivas ou submissas podem surgir de interações entre fatores instintivos e processos cognitivos de tomada de decisão. O desejo de exercer controle pode motivar comportamentos que normalmente seriam inaceitáveis.

Motivação Intrínseca: ligada a recompensas internas, como sentir-se poderoso ou respeitado dentro do grupo.

Motivação Extrínseca: ligada a fatores externos, como evitar punição, agradar Zimbardo ou se adequar à expectativa social.

O córtex pré-frontal, amígdala e estriado dorsal participam da tomada de decisões sociais e do processamento de recompensas de status.

O condicionamento do medo, por exemplo, transforma estímulos inexpressivos em sinais de alerta, ou seja, pistas que indicam situações potencialmente perigosas, com base em experiências do passado. Nesse caso, principalmente para estímulos que sinalizam perigo, a amígdala mostra ser uma peça chave para o processo de integrar as informações sensoriais às respostas comportamentais e fisiológicas.

O córtex pré-frontal é quem equilibra razão, emoção e moralidade. Quando ele funciona bem, nossas decisões são ponderadas. Pesquisas apontam que quando ele está prejudicado, seja por estresse, trauma, pressão social ou contexto de poder, decisões podem tender ao impulso agressivo ou ao uso frio da violência como instrumento, pois reduz a empatia e aumenta comportamentos antiéticos.

No experimento de Stanford, quando guardas ignoravam o sofrimento dos prisioneiros, é possível pensar em uma supressão funcional dessa região.

A AGRESSIVIDADE OFENSIVA, termo muito usado pela neurociência comportamental, é analisada no experimento como parte de quem toma a iniciativa de atacar ou dominar. Tem como objetivo conquistar território, impor status, exercer poder ou obter algum tipo de recompensa social. É, portanto, um comportamento ativo, planejado ou instintivo, que coloca o indivíduo como agressor inicial.

No Experimento de Stanford, guardas que iniciavam humilhações ou castigos sem provocação direta estavam praticando agressão ofensiva. Exemplos: obrigar os presos a se despir, impor tarefas absurdas, criar rituais de obediência, etc. Essa agressão não era defensiva, mas sim afirmação de poder.

Em ambientes carcerários femininos, a agressão ofensiva pode aparecer em lideranças de facções ou em situações de dominação simbólica entre presas.

No crime organizado, mulheres que assumem papéis de poder podem recorrer à agressão ofensiva como forma de consolidar liderança. Isso revela padrões neurocomportamentais distintos da agressividade reativa (mais comum em conflitos emocionais).

Já a AGRESSÃO DEFENSIVA é reativa, motivada por medo ou autodefesa. É um comportamento reativo, de autopreservação. Surge diante de uma ameaça real ou percebida, quando o indivíduo sente que precisa se proteger. Costuma ser acompanhada de respostas emocionais intensas (medo, raiva, ansiedade). Mais impulsiva, menos planejada e ligada à sobrevivência.

Respostas defensivas objetivam reduzir o dano imediato de um estímulo, ou prevenir dano potencial apresentado por meio de mecanismos neurais, envolvidos no armazenamento de informações oriundas de situações aversivas anteriores, ou seja, memória aversiva ou traumática (Lent, 2023).

No Experimento de Stanford, os prisioneiros, submetidos a humilhações, isolamento e estresse, muitas vezes apresentavam comportamentos defensivos: resistiam a ordens, mas de forma reativa; reclamavam, choravam, entravam em colapso emocional; um chegou a ter crise nervosa, pedindo para sair, ou seja, clássico exemplo de “resposta defensiva extrema”.

A agressão defensiva não vinha de desejo de dominação, mas da tentativa de proteger a própria dignidade ou integridade.

Em mulheres, a agressão defensiva aparece com frequência em contextos de violência doméstica, cárcere e situações de vulnerabilidade.  Muitos crimes praticados por mulheres podem ser entendidos como respostas defensivas (ex.: homicídios em contexto de violência de gênero, quando a agressão surge como defesa da própria vida).

O Experimento de Stanford, Neurociência e os comportamentos abusivos:

1.Desindividualização e empatia

·         Os participantes que assumiram papéis de guardas frequentemente reduziram a empatia pelos prisioneiros.

·         Neurociência: ínsula e córtex cingulado anterior — regiões ligadas à empatia e percepção da dor alheia.

·         Em contextos de despersonalização e anonimato, a ativação dessas regiões diminui, o que pode explicar a diminuição da compaixão.

2.Obediência e conformidade

·         Guardas seguiram normas implícitas e rígidas, mesmo quando eram arbitrárias ou cruéis.

·         Neurociência: estriado ventral, amígdala e circuitos dopaminérgicos envolvidos em recompensa social, reforço de status e medo de punição.

·         O cérebro responde fortemente à recompensa social e hierarquia, podendo modular comportamento ético.

3.Estresse e resposta emocional

·         O ambiente carcerário simulado gerou estresse elevado.

·         Neurociência: eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal), cortisol, amígdala — que aumentam reatividade emocional e podem diminuir raciocínio racional.

·         Altos níveis de cortisol podem reduzir capacidade de autocontrole e aumentar comportamentos agressivos.

4.Aprendizado social e neuroplasticidade

·         Pessoas se adaptam rapidamente aos papéis que lhes são atribuídos.

·         Neurociência: aprendizagem por reforço, plasticidade sináptica em córtex pré-frontal e sistema límbico.

·         Experiências sociais intensas moldam respostas comportamentais e emocionais, sendo relevante para entender como ambientes podem desencadear agressividade.

5.Busca de status e poder

·         Neurociência: dopamina e estriado ventral regulam a percepção de recompensa e reforço social.

·         Guardas recebiam “status” dentro da hierarquia, o que ativava circuitos de recompensa.

6.Evitar punição e conformidade social

·         Tanto guardas quanto prisioneiros estavam motivados a seguir regras implícitas do experimento, para evitar constrangimento ou fracasso” social.

·         Neurociência: ativação da amígdala (medo), córtex cingulado anterior (detecção de conflito social) e sistema dopaminérgico (recompensa por conformidade).

7.Motivação emocional e agressividade

·         Situações de estresse e anonimato podem gerar motivação para comportamento agressivo, impulsionado por respostas emocionais.

·         Neurociência: cortisol e amígdala aumentam reatividade emocional, enquanto córtex pré-frontal pode estar menos ativo, reduzindo autocontrole.

Referências Bibliográficas

1. MARTINS, C. L. Neurociência e o comportamento criminoso. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 8, n. 1, p. 55-70, 2021. Acesso em: 19 ago. 2025.

2. ALMEIDA, R. S. O crime biológico: implicações para a sociedade e para o sistema penal. Revista de Psicologia, Psiquiatria e Saúde, v. 12, n. 2, p. 123-138, 2019. Acesso em: 19 ago. 2025.

3. Fime “O Experimento de Aprisionamento em Stanford – 2015”

4. LENT, R. (Org.). Neurociência da mente e do comportamento. São Paulo: Artmed, 2023.

5. RAINE, Adrian. A anatomia da violência: as raízes biológicas da criminalidade. Tradução de Maiza Rotomy Ite. Porto Alegre: Artmed, 2015. 496 p.

Por Viviane Chaves – Advogada Criminalista, Pesquisadora em Neurocriminologia da Violência e do Feminino, Pós em Neurociência e Comprtamento (PUC-RS) e Criminologia (PUC/RS), Especialista em Criminal Profiling.

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