Na psicanálise, o termo “perversão” não diz respeito apenas a comportamentos sexuais considerados desviantes, mas refere-se a uma organização psíquica específica. A estrutura perversa diferencia-se fundamentalmente da neurose e da psicose, principalmente pela forma como o sujeito lida com a castração simbólica. O perverso estrutura seu psiquismo a partir da negação da castração, operando com mecanismos defensivos próprios, como a desmentida e a clivagem do eu.
Freud inaugura o estudo das perversões em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade” (1905), considerando-as fixações em estágios pré-genitais do desenvolvimento psicossexual. A perversão seria, para ele, uma alternativa à neurose, na qual o desejo proibido não é recalcado, mas sim desmentido. Em “A Negação” (1925), Freud apresenta o conceito de clivagem do eu: o sujeito pode saber de algo, como a falta do falo na mãe, mas escolher não reconhecê-lo, mantendo uma crença em paralelo à realidade percebida.
Jacques Lacan aprofunda a compreensão estrutural da perversão ao situar o perverso como aquele que se coloca no lugar de objeto para o Outro. Ele não se submete à castração simbólica, representada pelo Nome-do-Pai, mas sim tenta encarnar a falta do Outro, oferecendo-se como suporte de seu desejo. Lacan afirma que o gozo do perverso é transgressivo e paradoxal: ele depende da Lei para violá-la. Essa formulação aparece nos Seminários VII (A Ética da Psicanálise) e XVII (O Avesso da Psicanálise).
Na psicanálise Lacaniana, a noção de estrutura tem a orientação diagnóstica, insere a estrutura perversa no âmbito das possíveis organizações psíquicas.

Jean Bergeret distingue estrutura e funcionamento psíquico. Segundo ele, a estrutura perversa é organizada desde a infância, marcada por mecanismos como a clivagem do ego e a negação da castração. No entanto, comportamentos perversos também podem surgir em sujeitos neuróticos ou psicóticos, caracterizando funcionamentos perversos pontuais, geralmente como defesas frente a situações limite.
Octave Mannoni contribui com o conceito de desmentida através da famosa fórmula: “Je sais bien, mais quand même…”. O sujeito perverso não ignora a realidade da castração, mas age como se ela não existisse. A desmentida não é nem recalque nem forclusão, mas uma suspensão do saber: o sujeito sabe, mas se recusa a simbolizar aquilo que sabe.
Enquanto o neurótico recalcaria o desejo proibido e sofreria seus sintomas, e o psicótico forcluiria o significante da castração rompendo com o real, o perverso opta por uma via distinta: a desmentida. Ele sabe, mas nega simbolicamente. Com isso, constrói uma relação de manipulação com o desejo do outro, buscando controlar o campo do gozo. A estrutura perversa é, portanto, uma forma complexa de lidar com a angústia da castração, sustentando uma posição ativa no jogo do desejo.
Assim como Ferenczi, Melanie Klein e outros diversos autores importantes para a literatura psicanalítica concordam e aceitam a perversão como tipo diagnóstico, lado a lado com a neurose e a psicose, bem como com a personalidade psicopática ou antissocial.
FREUD E A PERVERSÃO
O modelo teórico de perversão de Freud, em um primeiro momento, se manteve vinculado a um entendimento enraizado pelos conceitos das perversões sexuais do século XIX.
Com o passar do tempo, após os anos 20, ao descobrir o funcionamento psíquico e defesas inerentes à perversão, Freud ampliou espaço para que a psicanálise avançasse em direção a uma série de fenômenos psicopatológicos e clínicos que iam além do entendimento das clássicas espécies de adoecer psíquico, a neurose e a psicose.
Acompanhando pensamentos e análise de Freud, podemos dizer que a perversão é o negativo da neurose, ou seja, aquilo que a neurose de certa forma suprime para se formar enquanto neurose.
Freud estudou as diferentes perversões escritas há época, observando que a sexualidade humana é plástica, ou seja, nela contemplam inúmeros desvios. Com essa investigação, Freud surgiu com um novo conceito de sexualidade, apresentando que, desde o início, é uma perversão polimorfa, ou seja, não é genitalidade, começando pelo prazer oral, pelo prazer anal reter e expulsar, pelo prazer virtual, acústico, tático, etc. Todas essas modalidades de prazer estão inseridas no conjunto amplo que Freud nomeia de sexualidade, depois de estudar casos onde as pessoas se fixam em apenas um dessas modalidades, como forma de satisfação sexual. Um exemplos, é o voyeurista que se contenta somente em olhar, o exibicionista que se contenta em ser olhado, bem como alguns outros que se fixam nas excreções, etc.
Um segundo grupo estudado por Freud, em “Três Ensaios para uma Teoria da Sexualidade”, diz respeito àquelas que usam atalhos, ou seja, invertem, deslocam e dissociam meios e fins. Dentro desse grupo, temos as pessoas que se satisfazem com plantas ou com animais, por exemplo. Para Freud, as pessoas do mesmo sexo também, ou seja, fugindo do encontro genital, sendo também chamados de perversos em um sentido mais amplo, pois negam a norma sexual, mas não a norma jurídica.
No terceiro grupo, temos aqueles que dentro da perversão orientam seu gozo com a transgressão, com a humilhação do outro, com a destruição do caráter mais geral da lei, ou seja, aquele que nega a norma jurídica. Usam a lei para servi-los, sendo um instrumento de gozo, como exemplos, o masoquismo (sente prazer sentindo dor) e o sadismo (sente prazer fazendo o outro sentir dor, provocando angústia no outro), que é a forma de perversão mais compatível com a psicopatia.
Esse processo se baseia no reconhecimento da castração, imputando a castração ao outro, ou seja, o outro é castrado e o perverso supre a falta e sutura a divisão subjetiva. Casos em que observamos que houve déficit de afetos sociais, como a culpa, o nojo ou a vergonha. O perverso sabe que está fazendo algo errado, mas sua relação com a lei não gera nela afetos inibitórios. Numa combinação entre um desses quadros pode acontecer os casos de pedofilia, onde ele usa a criança como fetiche, desconhecendo o outro como sujeito. Essa é também uma das formas de perversão ligadas à psicopatia. Uma classe dos perversos que se fixam ou exageram o modo de satisfação.
O Tratamento:
É possível tratar a perversão pela psicanálise ou o perverso seria um ser rebelde e inacessível à clínica psicanalítica?
Quando mencionamos o nome Perversão, o conectamos com a questão ética, ou seja, vinculamos o perverso a um sujeito aético, exatamente porque seus desejos são maltratar e ferir o outro.
Mas, ao escolher pela formação ética da escuta do obscuro quadro clínico da perversão, o psicanalista poderá se deparar com o horror da dor e do sofrimento impenetrável do perverso. Mas, como sobreviveria psiquicamente o perverso diante de sua dor e sofrimento senão as camuflando com suas atuações perversas?
A escolha pela formação ética da escuta deve estar alinhada para saber separar entre acolher o paciente perverso, da cumplicidade do que se irá escutar desse paciente.
Ao tratar um paciente perverso, o analista precisará, muitas vezes, exigir o máximo de si com relação à exigência ética da psicanálise, ou seja, ele precisará ser neutro, mas sem que essa neutralidade se misture ou se confunda com cumplicidade ao se deparar com a perversidade.
Por Viviane Chaves
Referências Bibliográficas
- FREUD, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.
- FREUD, S. (1925). A negação. In: Obras Completas, Vol. XIX.
- LACAN, J. (1959-60). O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise.
- LACAN, J. (1969-70). O Seminário, Livro 17: O Avesso da Psicanálise.
- BERGERET, J. (1980). La Personnalité normale et pathologique.
- MANNONI, O. (1969). Je sais bien, mais quand même…. In: Clefs pour l’imaginaire.
- SOLER, C. (2002). A clínica lacaniana do sujeito perverso.
- BASSOLS, M. (2006). Perversão e Lei.