Antes mesmo de Freud, a histeria já era um enigma para a medicina, pois era considerada durante séculos como uma doença “feminina” e orgânica, vinculada ao útero (de onde vem o nome “hystéra”, em grego), a histeria desafiava os conhecimentos da medicina, pacientes apresentavam paralisias, cegueiras, desmaios ou dores sem causa neurológica detectável.
Com Freud, a histeria deixa de ser vista apenas como uma simulação ou distúrbio corporal e passa a ser entendida como expressão de um conflito psíquico inconsciente.
Era considerada uma doença nervosa, apesar dos debates a respeito se era ou não uma doença nervosa real ou conjunto de fenômenos erroneamente diagnosticado. Freud vai fazer da histeria o objeto central da sua pesquisa e de seu trabalho clínico, iniciando sua prática como médico especialista do sistema nervoso. Na opinião de alguns historiadores, a histeria é a neurose que permitiu que a neurologia se afirmasse como especialidade médica, pois a maioria das doenças nervosas era incurável.
Esse passo inicial de Freud, da neuropatologia à psicanálise, é o ponto crucial da questão, pois Freud empenhado em construir uma teoria da histeria e uma teoria das neuroses, em sentido mais amplo, ainda entendidas como transtornos neuropatológicos, vai diminuir ao máximo o papel reservado aos fatores inatos, constitucionais e hereditários. Com isso, ele amplia a explicação dos fenômenos que constituem os quadros clínicos ao papel dos fatores adquiridos, acidentais, para aquilo que ocorre na vida do individuo e não para aquilo que ele carrega de ancestralidade, ou seja, que vem do seu passado como uma herança e tendências hereditárias.
As neuroses e histerias, em particular, eram doenças nervosas sem a presença de lesões cerebrais. Eram transtornos funcionais, onde não havia fatores químicos ou mecânicos que podiam responder pela origem dos sintomas. Sendo assim, só poderiam ter causas hereditárias e o sujeito nascia com certa predisposição, bem como podia ser desencadeada pelos acidentes da vida. Ocorre que a etiologia, ou seja, a causa fundamental era constitucional ou adquirida em algum episódio aterrorizante na história da vida do sujeito, causando um trauma, não no sentido mecânico, mas um trauma no sentido psicológico, produzindo efeitos patológicos, entre eles sintomas histéricos.
Freud tenta ampliar sua teoria, demonstrando que toda histeria tinha uma origem traumática, explicando fatores adquiridos que vão justamente impulsionar a tese dos fatores da neurose em direção aos fatores psicológicos. Aquilo que foi adquirido na história do sujeito permanece como memória, função que preserva nossa experiência passada no nosso presente e experiência atual. Ou seja, a histeria seria um trauma que não pode ser relembrado, extravasando por outras vias os sintomas que produzem a neurose histérica.
Esse foi um passo fundamental, permitindo que a psicanálise surgisse como uma teoria psicológica dos transtornos neuróticos, onde os sintomas seriam uma espécie de retorno do trauma. O tratamento da neurose começa a assumir uma forma de investigação, onde o médico vai interagir com o paciente para procurar pistas que identifiquem episódios traumáticos e desdobramentos que atuaram na causa dos sintomas. Explicar a neurose e tratar a neurose passa a ser uma única coisa. Os fatores constitucionais nunca vão desaparecer, mas não serão mais suficientes.
A histeria sob o olhar da neurologia
Jean-Martin Charcot buscava uma compreensão científica da histeria, afirmando que a histeria era uma doença real, com manifestações legítimas, embora sem uma base orgânica clara. Conflitou com médicos da época que viam os sintomas como simulações ou fraquezas morais.
Ele utilizava a hipnose como método de investigação clínica e terapêutica, observando que muitos sintomas histéricos podiam ser induzidos e também removidos em estado hipnótico. Para ele, a hipnose era uma prova de que o sistema nervoso podia ser afetado por fatores não conscientes. Contudo, Charcot deixava claro que não estaria curando a histeria e que minutos depois os sintomas voltariam, pois a sugestão hipnótica não removeria definitivamente os sintomas e nem instalaria os sintomas falsos. Ele usava a hipnose, pois queria demonstrar que a histeria era de fato um sintoma mental e que não existia lesão no corpo. Charcot abriu as portas para a ideia de que o corpo pode expressar conteúdos psíquicos, mesmo que ele próprio não formulasse isso em termos inconscientes.
Freud foi profundamente impactado pelos estudos de Charcot. De volta a Viena, ele traduziu as conferências de Charcot para o alemão e passou a integrar os conhecimentos adquiridos à sua própria prática, iniciando a investigar a histeria não apenas como uma desordem nervosa, mas como uma expressão simbólica de conflitos psíquicos reprimidos.
A hipnose, usada por Charcot como ferramenta clínica, passou a ser explorada por Freud e Breuer como via de acesso à memória recalcada. Porém, Freud logo abandonaria a hipnose como método terapêutico, desenvolvendo, no lugar, a associação livre.
A partir do contato com pacientes histéricas, Freud percebeu que os sintomas não eram aleatórios: tinham sentido, embora ocultos à consciência. Assim nasceu a noção de inconsciente, base de toda a psicanálise.
A grande virada proposta por Freud foi a desorganização da fronteira entre corpo e mente. Com Charcot, ele viu que o corpo podia manifestar sintomas sem lesões anatômicas.
Na histeria, conteúdos inconscientes e desejos recalcados se manifestam como sintomas corporais simbólicos — como paralisias, dores, alterações motoras ou sensoriais. Freud chamou esse processo de conversão histérica, no qual um conflito psíquico é transformado em um sintoma somático.
“Os histéricos sofrem de reminiscências.”
— Freud, 1895

Considerações finais
O encontro entre Freud e Charcot é um dos momentos decisivos na história da psicologia e da medicina. Charcot forneceu a Freud os elementos clínicos e a coragem para levar a histeria a sério. Freud foi além e escutou o que os sintomas queriam dizer. O corpo histérico, para Charcot, era um fenômeno neurológico incompreensível. Para Freud, tornou-se mensagem cifrada do inconsciente.
Essa passagem do corpo como organismo ao corpo como linguagem é a semente da psicanálise. A histeria não é uma farsa, mas uma encenação de uma verdade psíquica recalcada, que insiste em retornar.
Referências:
- Freud, S. Estudos sobre a Histeria (com Josef Breuer), 1895.
- Freud, S. Carta a Wilhelm Fliess, 1885–1904.
- Ellenberger, H. F. O Descobrimento do Inconsciente. São Paulo: Zahar, 1970.
- Charcot, J.-M. Lições sobre as Doenças do Sistema Nervoso. Paris, 1885.
- Roudinesco, E. Jacques Lacan: Esboço de uma Vida. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
- Nasio, J.-D. A Histeria. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.